Memórias da Quarentena

   Desde segunda, dia 09, quando voltei a escrever depois de um hiato de sabe-se lá quanto tempo, fiquei com algo na cabeça. Era uma pergunta incômoda porque dizia respeito àquilo que eu considero o meu talento, algo que eu aprendi a fazer muito cedo na vida. A pergunta é: por que eu escrevo?

   Eu não me pergunto para que eu escrevo, isso porque acredito numa inutilidade do que se chama Arte. Não creio num “para que” fazer artes; não as quero definir e aprisionar numa existência de servidão instrumental. Isso é questão fechada dentro de mim, ainda que, paradoxalmente, eu sonhe em viver de livros, mais que os meus, os dos outros. Um livro é uma trapaça técnica, ferramental; um meio, como um vídeo, como um show da sua banda favorita ou da pior banda que já pisou na face da terra, mas tem gente que gosta e muita gente que odeia. Por sinal, odiar está na moda; ganhou uma terminologia chique, porque é em inglês. Tudo o que é inglês fica verdadeiro, real, potente, relevante… hater. O hater é um odiador e, ainda que exista nessa língua aqui e na mente de todos os que falam português um antônimo ligado àquilo que se faz sem intenções profissionais, o hater, ao contrário do amador, é um profissional do ódio. Esse ódio modista não te sustenta, mas há pessoas que se alimentam disso. 
 
   E depois de tudo, se eu fiz o meu trabalho direito, minha leitora(o) deve estar se perguntando onde é que eu quero chegar com isso; mais ainda, deve estar se perguntando o que é que essa digressão toda tem a ver com quarentena e coronavírus. Começa que, se não fosse por esse toque de recolher forçado pela pandemia, eu provavelmente não estaria escrevendo agora. Se não fosse esse clima todo, é bem provável que eu não teria me posto nessa condição de refletir sobre o porquê de eu escrever. Essa era uma discussão que nasceu comigo, em mim e pra mim, porque eu ouvi/li uns evangélicos tendo verdadeiros ataques de pelanca por causa do desfile da Mangueira. Disseram que as chuvas — as mesmas chuvas que acontecem todos os anos desde 1991, quando eu nasci e antes de mim até, com ou sem Jesus Cristo na avenida — eram vingança de Deus. Quem leu a poesia talvez entenda o que penso disso. 

   Já faz algum tempo que a minha existência social tem se tornado mais ativa, mais pautada na realidade que me cerca e cada vez mais é desse olhar para o que acontece ao meu redor que retiro o insumo para meus textos. Talvez seja por isso que aquela poesia tenha alguma ironia sutil.

   Com isso tudo, ainda existe algo de terapêutico no que eu escrevo. Eu exorcizo sentimentos, ideias, ânsias. Ás vezes eu exorcizo saudade. Mas nada disso, em absoluto, é proposital. Enquanto eu escrevia sobre uma certa mulher, enquanto fazia textos sobre coisas reais e inventadas… Enquanto eu tornava a minha dor em poesia ruim entre 2010, 2011 e antes disso, enquanto eu tornava todos os meus sentimentos em arte duvidosa, não exatamente queria minhas leitoras(es) como cúmplices.

   Não escrevo para ser lido, embora goste que leiam, mesmo que me dê vontade de esconder os textos. O que há é que as palavras são antes de tudo um monte de coisas que vão dentro e fora de nós, e elas se desprendem de algum lugar e deixam seu estado de dicionário para virem compor o nosso mundo. A escritora(o) é a pessoa que resolve se engalfinhar com as palavras. Essas coisas unidimensionais que a gente teima em usar para escrever e descrever as mudanças e nuances complexas e inexprimíveis dos mundos — os que somos e os que vivemos e os que a gente cria sem se perguntar o porquê. Devo dizer que não poucas vezes essa é uma tarefa ingrata e amarga. Muitas vezes eu não gosto das histórias que tenho que contar. Pior ainda é ter que desfazer algumas histórias. Por exemplo, aquela que diz que a China criou um vírus que já matou quase onze mil pessoas apenas pra competir com o heroico e justo Estados Unidos da América. Quem inventou essa história é um odiador. Uma pessoinha com fome de narrativa e sem senso criativo, porque plagiou uma história também feia, só que mais criativa chamada Guerra Fria. Não, não foram os chineses que criaram o vírus. Foi a terra, algum ser, algum bicho adoecido, foi o acaso que nunca é só acaso.

   Mesmo aqui e agora os odiadores não cessam de odiar. Eu, amador, que amo escrever e quem sem as palavras seria incapaz de ser, seguirei preenchendo os dias. Pela primeira vez pedirei diretamente que me acompanhem por essa jornada. É uma jornada sem promessas; esse texto era pra ter saído na sexta, está sendo escrito no sábado, talvez você, leitora, o veja no domingo.

   Por que eu passei a me referir a alguns substantivos no feminino? Bom, nós homens estamos a frente de tudo o tempo todo e eu só quis mudar um pouco.

Uma boa noite a todos.

José Nilson Jr. 
21/03/2020 — 5º Dia da Quarentena

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