O Tigre

Tigre! Tigre! Chama e clarão
Nas florestas da escuridão,
Que imortal olho ou mão
Emoldurou teu terrível padrão?

Em que fundura abissal ou distância celestial
Principiou a queimar a chama do teu olhar feral?
Em que asas se atreveu ele a voar, afinal?
Que mão ousou conter este fogo fatal?

Que braço e que artesão
Uniu as fibras do teu coração?
E quando este soou percussiva canção,
Que pavoroso pé e que pavorosa mão?!

Que martelo? Que malha?
O teu cérebro esteve em que fornalha?
Que bigorna? Que agarre terrível
Ousou conter seu terror infalível?

Quando as estrelas desprenderam fragmentos,
E molharam o céu com seus lamentos,
Sorriu ele ao ver seu labor?
Foi ele que criou o Cordeiro também teu criador?

Tigre! Tigre! Chama e clarão
Nas florestas da escuridão,
Que imortal olho ou mão
Emoldurou teu terrível padrão?


William Blake
Tradução por: José Nilson Jr., em 01/05/2018

Desde que descobri O Tigre, esta obra cresceu dentro de mim. Talvez por causa da minha paixão por essas feras hoje ameaçadas. Talvez porque o poema é uma obra plástica, bela, um trabalho quase de arquitetura. Talvez pela força de suas palavras.
Lembro-me que a primeira versão que li não tinha as rimas, a de Ângelo Monteiro, talvez, não vou me recordar. O que sei é que servia de abertura para um livro YA chamado A Maldição do tigre (e sim, eu só comprei pela capa, porque tinha a ver com tigres. Valeu a compra). Mesmo sem as rimas, o ser descrito naqueles versos era magnífico, poderoso, cruel até, como os animais que amo desde que me entendo por gente. Toda vez que vejo a história de um tigre maltratado, ou de pequenos tigrinhos que nascem com deficiência ou má formação por causa de cruzamento descuidado, a fim de manter a pelagem branca que tanta gente adora (e eu também acho bonita) eu me lembro desse poema. A natureza é o que ela é, não é nossa serva, não é servil; aliás, somos parte dela. É bom olhar, sentir, cheirar, comer, mas sabendo que não é nosso direito violentar a terra para o nosso prazer estético. O Tigre, porém, vai bem além disso: a nele algo de teológico, transcendental; o “ele” que aparece no poema é o próprio Deus cristão, por sinal o meu Deus.
Os entendidos na matéria dizem que esse poema é um dos mais reinterpretados da literatura inglesa, talvez seja mesmo. Tem um monte de viagens bem legais sobre esse poema. Eu mesmo me debrucei ao pé disso, com certa obsessão até. Ao longo dos anos eu li muitas traduções desses versos, de gente importante, tipo Augusto de Campos…. Mas eu tinha que fazer a minha. Eu precisava dar a minha contribuição à assembleia de rugidos que é esse poema. Daí, um dia acordei com uma sequência de rimas para a primeira estrofe e comecei. Foram muitas tentativas e, claro, a influência das outras muitas traduções que eu li que fizeram nascer a minha versão de O Tigre.
Originalmente ele é construído em estrofes de quatro versos de sete sílabas, com as rimas em sequência. Eu mandei a métrica das sete sílabas poéticas para um passeio espiritual lá na Índia, junto com os tigres, mas mantive as rimas e as quadras. Sempre vi as quadras como os passos do tigre na floresta de escuridão, onde ele é o farol. Eu não ia querer cruzar com um desses lá nas florestas da Índia. Nem a pau. Não.. Eu acho que ia querer sim.
Uma boa noite.

  Um comentário:

  1. Boa, Dom Infante, continue nessa bela estrada que é matutar sobre grandes poemas. Vinnie

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