Palavras Apenas

Já é hora de voltar a falar. Momento de afiar a pena novamente, porque é com ela que eu luto, é com ela que eu grito as palavras.
Não é que tudo o que dizemos precise mesmo ser ouvido. Não é que eu fale de verdades absolutas… mas para mim escrever é terapêutico, é lidar comigo e com o mundo, é examinar as coisas fora de mim.
Escrever é sentimento puro e apaixonado, às vezes é a razão cética e carrancuda. Encher a tela de letras e fazer o cursor se mover, como um vaga-lume que se acende e apaga a pequenos intervalos, é muitas das vezes a esperança de que as coisas mudem, que tudo encontre seu eixo e o mundo gire da melhor forma para todos nós seres humanos.
Há horas em que nós só desejamos o não julgamento, desejamos um futuro que não esteja escrito ainda e não uma vida já estruturada, pré-formatada de um jeito fordista, numa linha de produção. Porque muitos falam do que está escrito por Deus ou do que foi escrito nas estrelas, seja quem for o escritor astronômico; mas esquece que, não poucas vezes, é aqui no mundo que o futuro de uma pessoinha que mal nasceu começa a deslizar na esteira da linha de montagem da fábrica de gente.
E se escreve para que não nos ditem a cor de nossas roupas baseando-se na nossa biologia, que não nos digam de antemão a camada a qual pertencemos por causa da cor da nossa pele, que não nos tirem o direito de ir, de vir e de viver porque andamos devagar, que não nos tratem como tolos apenas porque não podemos ouvir! Se somos surdos, então fale com as mãos; use o seu corpo e a expressão da face, os olhos, ou o que for! E se eu não vejo: fale, me dê a mão para que eu a sinta, aproxime sua face de mim para que eu possa tocá-la, que eu possa assim conhecer-lhe os sulcos, as rugas, as formas, para que eu saiba onde seu rosto se dobra quando você sorri, as marcas da preocupação em sua testa.... Me deixe enxugar as gotas de sal que caem dos seus olhos quando sua voz se embarga…
E se escreve com medo, as mãos tremendo e a letra saindo estranha enquanto caem mesmo lágrimas no papel, ou então de repente você deixa de ver a tela do computador, é como se você olhasse para um quintal escuro – o seu quintal –, através de uma janela que está sendo tocada por uma chuva grossa e barulhenta; sua respiração soma algo à dificuldade. Você não vê nada lá fora que não sejam as sombras indistintas e, por isso mesmo, tenebrosas e aterradoras. Você também não pode ver as letras na tela. Não consegue perceber o poder das palavras: acha-as fracas, vazias e inúteis. Vê as sombras lá fora e pensa “nada vai mudar!”
Isso é medo. Escrevemos por medo. Eu, muitas das vezes, escrevo com medo e por medo: de que nada mude, de que tudo se agrave; escrevo por não poder sair de casa, porque temos que respeitar uma convenção absurda de um horário adequado para estar nas ruas. É perigoso passar dessa hora nas ruas, e isso piora e você é homossexual, se você é mulher, se é negro, índio, mendigo, se você é uma mancha na obra de arte enganadora que deveria ser a nossa sociedade perfeita…
Temo que nada mude e que pessoas continuem sendo queimadas porque são índios, ou porque são negros, ou porque… Porque… Porque algum ser humano se achou no direito!
Tenho medo de que estoure outra guerra por limpeza étnica como foi a segunda grande guerra! Tenho medo de um dia não poder mais professar minha fé porque ela estará ligada a dor, ao sofrimento dos outros, a andar para trás…
Também é por isso que eu escrevo, para mudar as coisas e forjar hoje o amanhã que eu desejo. Escrevo para que possa ser feliz amanhã se não estou feliz hoje, escrevo porque se estou feliz hoje gostaria de dividir esta felicidade com tantos quantos eu puder. Escrevo porque preciso lidar comigo mesmo.
Já é hora de voltar a falar. Hora de me derramar no papel ou na tela de novo e ver se meus desejos e sonhos podem fazer um pouco para que todos possamos ser vistos como iguais.
O baú está oficialmente aberto, senhoras e senhores! Ou devo dizer reaberto?!

Por José Nilson Jr.
Texto Registrado
20/09/2015

  4 comentários:

  1. Que bom que você reabriu o baú, meu amigo!
    Fiquei feliz após ter lido o que você escreveu e perceber que até quando se
    trata de metáforas pensamos de forma semelhante. A chuva de palavras
    cai no papel ( ou na tela) em branco, enquanto chove lágrimas de nossos olhos!
    Isso é tão significativo pra mim , jovem !
    Faça chover mais !
    Paz.

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  2. Um belíssimo texto, irmão. Mostra que as vezes sentimos a dificuldade de escrever, por não conseguir transpassar os sentimentos para o papel, opiniões. Mas mesmo assim o fazemos, superando as dificuldades.

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  3. A arte é a expressão da alma e a escrita nada mais é do que arte. Logo, suas palavras são os gritos da sua alma. Deixe sua alma gritar, e sua arte ir ao mundo. Maravilhoso texto.

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  4. Aos olhos que me ouviram gritar deixo o meu sonoro -- Muito obrigado!

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